sábado, 27 de junho de 2009

Sam Peckinpah, a prostituta.


Após o amigo Gustavo ter postado em seu blog “Polimorfismo Perverso” um artigo de minha autoria sobre o filme “Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia”, de Sam Peckinpah, senti-me na obrigação de fornecer algo com mais substancia e elaboração. Embora não seja jornalista ou qualquer coisa parecida, me meto a escrever coisas sobre filmes que gosto e uso esse instrumento, o blog, informalmente e sem a menor pretensão de construir textos elaborados ou didáticos. Exponho minhas impressões de forma claudicante e irresponsável sobre os filmes que vi durante a semana, tendo apenas o compromisso de uma certa regularidade na postagem de novos textos.
Sam Peckinpah é um realizador ianque que surge naqueles inacreditáveis e maravilhosos anos sessenta, onde Hollywood estava aberta as influências européias e tinha ainda gente que gostava de cinema no comando dos estúdios, possibilitando a realização de obras transgressoras e inovadoras para os padrões da época. Junto com Peckinpah temos Arthur Penn, Frankenheimer e outros que fizeram parte da chamada nouvelle vague do cinema americano, onde a arte tinha mais valor que a grana. Nesse contexto, temos um dos meus diretores preferidos, que já foi chamado por um certo critico de cinema brasileiro -que ama musicais - “de prostituta...” Essa prostituta chamada Sam Peckinpah, nasceu no de 1926 em Fresno, Califórnia. Descendente de índios paiutes e formado em arte dramática começou a carreira como roteirista em um filme do grande Dom Siegel e em seguida, implementou uma seqüência de realizações para a televisão como o seriado “The Rifleman”. Em 1960, escreveria o roteiro de “Face Oculta”, um faroeste que seria dirigido por Stanley Kubrick, mas acabou se tornando o único filme dirigido por Marlon Brando; diga-se de passagem, um filmaço!
Peckinpah ficou conhecido por desglamurizar o western e subverter, embora sempre de forma respeitosa, os arquétipos criados por John Ford e John Wayne. Nos filmes de Peckinpah não existem heróis, apenas homens desesperados que, assim como uma era, sabem que estão próximos do fim. A cena de abertura do clássico “Meu Ódio será sua Herança”, “fala” por si só. O diretor foi acusado por críticos de cinema sínicos de glamurizar a violência e de ser misógino e moralista; o que os críticos se recusaram a perceber, é que o western de Peckinpah se aproximava da realidade americana e ousava tratar algo tão caro à esta sociedade de forma seca, dura e implacável. Ele não era um mero esteta da violência, na verdade, seu cinema era composto de um realismo despejando, cruel e brutal – nós não estávamos mais nos seguros anos cinqüenta, os EUA estavam acordando para o mundo e Peckinpah era um dos seus guias, revelando o absurdo e a violência do “novo mundo.” Nos seus filmes a vida humana vale tanto quanto o preço de uma bala, seus anti-heróis eram homens solitários vivendo a beira do abismo e quase sempre tinham um destino sangrento. Ambiguidade, crueza, violência e pessimismo são ingredientes sempre presentes em seus filmes.
Selvagem como seus personagens, Peckinpah viveu no limite; rebelde, não fazia concessões aos figurões da indústria cinematográfica e, quando se sentia pressionado, não tinha menor pudor em abandonar o conforto hollywoodiano e se meter no México para filmar sua obra prima, “Tragam-me a cabeça de Alfredo Garcia.” Puto com o tratamento que seu filme anterior recebeu dos produtores, Peckinpah resolver realizar seu novo projeto fora de seu país. Magoado, sem dinheiro e cada vez mais envolvido com álcool e drogas, ele foi se refugiar do outro lado da fronteira ianque, onde pode consumir maiores quantidades de substancias ilícitas e perder o controle de vez, realizando sua obra mais transgressora e bela. Levando consigo o maior anti herói do cinema americano, o ator Worrem Oates, Peckinpah parecia que estava filmando uma obra autobiográfica - é inegável a comparação entre ele e Bennie, personagem de Oates no filme. Ambos são proscritos e desesperados, suas vidas estão aos pedaços. Na fita: desesperança, melancolia, dor e uma sangrenta redenção estão no caminho de Bennie. O filme não fez sucesso e Peckinpah voltou para os EUA e realizou outras obras excelentes, mas “Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia”, talvez seja seu filme mais pessoal e por isso mesmo é tão pungente.
Peckinpah morreu aos 59 anos em um hospital de Los Angelis, depois de sofrer um ataque cardíaco quando passava ferias com sua esposa, a atriz Begona Palácios no México. Peckinpah voltou lá pela ultima vez... morria um dos maiores rebeldes do cinema norte-americano.