segunda-feira, 22 de março de 2010

O Lobisomem, de Joe Johnston


Os vampiros sempre foram os mais populares dos monstros da Universal. Talvez o auge dessa popularidade tenha ocorrido nos anos oitenta, quando influenciados pelos livros de Anne Ricce, que abordava o mito com demasiada sensualidade e ambigüidade, o vampirismo se aproximou do publico feminino e da cultura gótica, atraídos pelo, mercadologicamente viável, lado glamoroso dos vampiros. Os filmes que se seguiram, quase descartaram as características grotescas dos monstros, apresentando um lado mais simpático e aceitável por parte do público; abandonando de vez Klaus Kinski e, sobretudo, Christopher Lee como modelos dos vampiros no cinema.
Os Lobisomens, pelo contrario, foram sempre o patinho feio dos monstros da Universal. Não tem o apelo sexual dos vampiros. É ,sobretudo, um homem dividido e atormentado que não aprecia a maldição que carrega (de se transfigurar numa besta incontrolável sedenta por carne humana) convenhamos, está longe de ser algo sedutor. Lawrence Talbolt é um ser que transita entre a repulsa e a pena. Este ponto é, talvez, o que determina a principal diferença entre ambos. Drácula tem ciência que é um predador noturno e não carrega culpa alguma. Para ele tudo se resume a uma questão natural: Ele é um predador e os humanos, por sua vez, presas; simples assim. Já Lawrence Talbot sofre o horror por saber e não aceitar seu destino. Vive o dilema entre ser, contra sua vontade, um assassino brutal ou, antes que o mal tome conta de sua alma, por um fim em tudo isso. Antes de tudo, Lawrence é um personagem que se choca e se recusa a aceitar sua condição; é o mais humano dos monstros da universal.
Coincidentemente ou não, O Lobisomem foi o último grande monstro da universal a ter seu clássico revisto ou atualizado. Drácula, de Coppola e Frankenstein, de Kenneth Branagh (os dois bem aquém das obras da Hammer) foram tentativas de trazer os monstros para um novo público que, por sua vez, aceitou muito bem Drácula, mas não deu a mesma acolhida para Frankenstein que acabou fracassando. O tempo passou e os outros projetos foram pro esquecimento. Em seguida veio a série Pânico com os filmes de terror se voltando para as mentes adolescentes e uma enxurrada de bobagens assolou o cinema de horror ianque, jogando os monstros para o mundo independente ou passando a responsabilidade para os europeus. Depois de uma longa pausa (não vou nem falar da Múmia), eis que (re)surge um projeto complicado, com mudanças de diretor e atrasos nas datas de estréia: “O Lobisomem”.
O filme estava fadado a ser uma tragédia. A época de lançamento era a pior possível, onde as pessoas estão interessadas em efeitos 3D e monstros diluídos/pasteurizados e deformados a tal ponto que em nada lembram sua gloriosa herança, ou seja, ninguém ia ligar para um filme “antigo”. Mas para “O Lobisomem” nada é fácil. O filme era uma questão de honra para o ator/produtor Benicio DelToro, que é fã declarado dos clássicos da Universal. A obra saiu na marra com um atraso de dois anos e um diretor que ao assumir a película, manteve o direcionamento do comandante anterior, dando ao filme com atmosfera gótica exemplar só comparada “A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça”, de Tim Burton. Mas a principal qualidade do filme, além do respeito a obra clássica de Geoge Waggner, é que “O Lobisomem” não é um filme para adolescentes! A violência animalesca dos ataques da besta, fez com que o filme subisse sua classificação para 16 anos; atitude corajosa em não atenuar as cenas sangrentas com a finalidade de garantir um público maior. Outro ponto que mantém os pirralhos longe da película é que o romance é impossível no contexto. Não que a possibilidade não exista, mas ela é remota, inviável e trágica. Lawrence Talbot não pode amar, tem um conflito freudiano com seu pai (Anthony Hopkins) e, sobretudo, não existe cura para seu mal. É muito pessimismo para os adolescentes e um excelente filme para os reais apreciadores dos lobisomens.
Na história: Lawrence Talbot volta à casa de seu pai para o enterro de seu irmão, que teve o corpo dilacerado por uma fera desconhecida. Ao retornar pra Inglaterra, Lawrence reviverá fantasmas do passado que o atormentam e, aparentemente, são responsáveis pela deterioração do relacionamento com seu pai. Ao tentar investigar a morte de seu irmão, Lawrence é atacado pela fera próximo ao acampamento cigano, numa das cenas mais legais e sangrentas do filme! Alertado pela cigana (Geraldine Chaplin) que embora vivo, sua lama estava destinada ao sofrimento, Talbot se manterá cético até as noites se aproximarem da lua cheia e se dará conta que, no seu caso, a morte teria sido uma dádiva. Terá que enfrentar uma maldição, os já citados fantasmas do passado, um amor impossível e o arrogante racionalismo inglês do século XIX. Mas quando a metamorfose se concretiza, todos os tormentos de Talbot darão lugar à fúria incontrolável da criatura que dilacera quem encontrar pela frente numa incontrolável orgia de sangue e membros amputados dos indefesos ingleses que, impotentes diante de algo que foge a sua visão racional do mundo, assistem atônitos ao espetáculo proporcionado pela besta. É a conduta racional e civilizada do povo inglês confrontada pelo instinto violento e animalesco do Lobisomem, que cai sobre os súditos da rainha, como uma espécie de punição para o neo-colonialismo inglês. Como não tem lugar nesse mundo, Talbot será perseguido pela polícia (Hugo Weaving, representando as instituições inglesas) e pela turba com as famosas tochas erguidas. “O Lobisomem” é uma refilmagen sem a pretensão de Drácula, com os famigerados efeitos CGI usados em colaboração com o roteiro e o trabalho acertadamente “discreto” do mago Rick Baker.